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Por George Monbiot | Tradução: Vitor Costa

O fatalismo infiltra-se em nossos movimentos como ferrugem. Em conversas com cientistas e ativistas, sempre ouço as mesmas palavras: “Estamos ferrados”. Os planos governamentais são muito pouco, é muito tarde. É improvável que impeçamos os sistemas da Terra de se tornarem hostis aos humanos e outras espécies.

O que precisamos, para ter uma chance maior de estabilizar nossos sistemas de suporte de vida, não é uma mudança lenta e progressiva, mas uma ação repentina e drástica. E isso é considerado impossível. Não há dinheiro; os governos são impotentes; as pessoas não vão tolerar nada mais ambicioso do que as medidas frágeis já propostas. É o que mais escutamos. Esse cenário é uma ilustração nítida de uma regra geral: o fracasso político é, no fundo, falta de imaginação.

Vamos deixar de lado as lições óbvias da pandemia, quando a árvore mágica do dinheiro milagrosamente explodiu em folhas, os governos descobriram que podiam gastar e governar (embora com graus diversos de competência) e as pessoas prepararam-se para mudar radicalmente seu comportamento. Há um exemplo maior e mais poderoso. Foi o que aconteceu quando os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial.

Há um desconforto nos círculos ambientalistas com analogias militares. Mas a guerra está entre os poucos precedentes e metáforas que quase todos podem entender. Seria tolo não aprender com uma lição notável.

Antes de os Estados Unidos declararem guerra, o presidente Franklin Roosevelt já havia começado a convocar tropas e construir seu “arsenal de democracia”: o material bélico que fornecia às forças aliadas. Para “superar Hitler”, ele pediu níveis de produção considerados impossíveis por todos. Mas depois do ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, o impossível aconteceu.

No dia seguinte ao ataque, Roosevelt solicitou e obteve uma declaração de guerra do Congresso. Ele imediatamente começou a reorganizar não apenas o governo, mas toda a nação. Ele criou uma série de agências que, mesmo pouco supervisionadas, eram coordenadas por meio de medidas simples, mas eficazes, como o “plano de materiais controlados”.

Roosevelt introduziu, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, um imposto de renda federal. O governo aumentou rapidamente a alíquota máxima até que, em 1944, ela atingiu 94%. Emitiu títulos de guerra e fez empréstimos maciços. Entre 1940 e 1945, o gasto total do Estado aumentou cerca de dez vezes. Incrivelmente, o governo dos Estados Unidos gastou mais dinheiro (em dólares atuais) entre 1942 e 1945 do que entre 1789 e 1941. De 1940 a 1944, seu orçamento militar aumentou 42 vezes, superando o da Alemanha, Japão e Reino Unido juntos.

As indústrias civis foram totalmente reequipadas para a guerra. Quando a indústria automobilística foi instruída a mudar para a produção militar, seu vasto equipamento foi imediatamente reorganizado e substituído, muitas vezes em questão de semanas, por novas máquinas. A General Motors começou a produzir tanques, motores de aeronaves, aviões de combate, canhões e metralhadoras. Oldsmobile passou a fazer projéteis de artilharia. Pontiac produziu armas antiaéreas. Em 1944, a Ford estava produzindo um avião bombardeiro de longo alcance quase a cada hora. Durante seus três anos de guerra, os EUA fabricaram 87 mil navios, incluindo 27 porta-aviões, 300 mil aviões, 100 mil tanques e veículos blindados e 44 bilhões de cartuchos de munição. Roosevelt descreveu esse processo como um “milagre de produção”. Mas o que aconteceu não foi um milagre. Foi a realização de um plano bem traçado.

O esforço de guerra dos EUA mobilizou dezenas de milhões de pessoas. Entre 1940 e o fim da guerra, o número de soldados norte-americanos aumentou 26 vezes, enquanto a força de trabalho civil aumentou em 10 milhões de pessoas. Grande parte dessa força de trabalho eram mulheres.

De 1942 a 1945, a fabricação de automóveis foi proibida. Assim como a produção de novos eletrodomésticos e até a construção de novas casas. Pneus e gasolina foram estritamente racionados; carne, manteiga, açúcar, roupas e sapatos também foram limitados. O racionamento era considerado mais justo do que tributar bens escassos: ele garantia que todos receberiam uma parcela igual. Um limite nacional de velocidade de 56km/h (35 milhas) foi imposto, para economizar combustível.

Cartazes alertavam as pessoas “Quando dirige SOZINHO, você dirige com Hitler! Junte-se a um clube de caronas HOJE”. Havia alertas: “Esta viagem é realmente necessária?”. Esses mesmos pôsteres advertiam: “Desperdício ajuda o inimigo: economize materiais essenciais”. Os norte-americanos foram instados a assinar o Compromisso de Vitória do Consumidor: “Comprarei com cuidado; vou cuidar bem das coisas que tenho; não vou desperdiçar nada.” Todo material imaginável – embalagens de goma de mascar, elásticos, gordura de cozinha usada – era reciclado.

O que impede o mundo de responder com a mesma força decisiva à maior crise que a humanidade já enfrentou? Não é falta de dinheiro, capacidade ou tecnologia. No mínimo, a digitalização tornaria essa transformação mais rápida e fácil. Temos um problema que Roosevelt enfrentou até o ataque a Pearl Harbor acontecer: falta de vontade política. Agora, como naquela época, a hostilidade e indiferença públicas, estimuladas por setores mais tradicionais (hoje, sobretudo, combustíveis fósseis, transporte, infraestrutura, carne e mídia), superam a demanda por intervenção.

A diferença entre 1941 e 2021 é que agora a mobilização precisa vir primeiro. Precisamos construir movimentos populares tão grandes que os governos não tenham escolha a não ser responder a eles, se quiserem permanecer no cargo. Precisamos fazer os políticos entenderem que a sobrevivência da vida na Terra é mais importante do que seu compromisso ideológico com um governo limitado. Impedir que os sistemas naturais da Terra se destruam significa transformar nossos sistemas políticos.

Qual é o nosso “momento Pearl Harbor”? Bem, que tal agora? Afinal, para continuarmos na analogia, a costa do Pacífico dos Estados Unidos sofreu recentemente um ataque climático sem precedentes. As bolhas térmicas, as secas e incêndios este ano deveriam ter sido o suficiente para nos tirar da alienação. Mas a lacuna entre esses eventos e a compreensão das pessoas sobre as forças que os causaram é, sem dúvida, a maior falha de informação pública na história da Humanidade. Precisamos de órgãos equivalentes ao Escritório de Informação de Guerra (Office of War Information) de Roosevelt, constantemente lembrando as pessoas do que está em jogo.

Como mostrou a mobilização daquele tempo, quando governos e sociedades decidem ser competentes, podem atingir objetivos que em outros casos seriam considerados impossíveis. A catástrofe não é uma questão de destino. É uma questão de escolha.

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